“A transição energética é para ricos”
Yolanda Moratilla, presidente do Comité de Energia do IIE – Instituto de Ingenieria de España, não tem dúvida de que a transição energética – que deveria ser, antes, uma diversificação energética – é para ricos.
“A transição energética é uma questão unicamente europeia”, disse em forma de desafio Yolanda Moratilla, presidente do Comité de Energia do IIE – Instituto de Ingenieria de España, no Galp Electric Summit – Energy Conference. A provocação é no sentido da apropriação da palavra “transição” que a especialista prefere substituir por “diversificação”. “Há o uso perverso da linguagem. Mesmo nós, técnicos, muitas vezes expressamo-nos sem precisão, o que leva os não técnicos a caírem no erro de falarem em ‘tudo é verde’ ou ‘100% renovável’, quando tecnicamente isto é impossível alcançar, atualmente.”
Neste evento organizado pelo Jornal de Negócios em parceria com a Galp, a Toyota, o Montepio Crédito e o município de Oeiras, a docente falou de, pela primeira vez, o princípio da neutralidade tecnológica ter sido quebrado na Europa, após o Parlamento Europeu ter recentemente confirmado a proibição de venda de carros novos com motores de combustão interna a partir de 2035. Uma medida que, no seu entender, esbarra no princípio da neutralidade tecnológica já que “o problema não são os automóveis de combustão interna, mas os combustíveis. São estes que poluem, não os motores”.
No conceito de transição energética, Yolanda Moratilla criticou o facto de estarem a ser pensadas soluções únicas ao invés de transversais e diversificadas. “Sempre que nos centramos numa única solução, se há algum problema, como a guerra na Ucrânia, ficamos sem alternativa. Se tivéssemos apostado apenas no gás, teríamos tido muitas dificuldades.”
Não há 100% renováveis
A ideia foi partilhada mais do que uma vez por Yolanda Moratilla, que insiste em passar a mensagem de que não existe uma solução 100% renovável. “As tecnologias renováveis, sobretudo a solar e a eólica, implicam tecnologias de backup, que no caso de Espanha é o gás. Se precisamos de gás, já não é 100% renovável”. A presidente do Comité de Energia do IIE vai mais longe e aponta que “introduzir mais de 70% de tecnologias renováveis num mix energético aportaria problemas de estabilidade do sistema, podendo chegar a criar apagões nas redes”.
O mesmo princípio é aplicado à mobilidade sustentável, com Yolanda Moratilla a expressar que, hoje, parece não haver outra opção que não o automóvel elétrico. “Se quisermos falar de mobilidade sustentável, temos muitas alternativas. Não podemos confundir a população, dizendo que a única solução é o carro elétrico. Temos os movidos a hidrogénio e mesmo os automóveis de combustão. Os nossos veículos atuais podem funcionar perfeitamente com emissões zero, utilizando os e-fuels, os combustíveis sintéticos”, uma solução atualmente um pouco mais cara mas que, com o amadurecimento do mercado, tenderá a ficar mais acessível, defende a especialista. Na opinião de Yolanda Moratilla esta sim, é a verdadeira transição energética.
“Porque dizer que a única solução é o veículo elétrico é dizer que nem todos vão poder ter automóvel particular”, uma afirmação justificada pelo facto de não existir matéria-prima suficiente para poder fabricar todos os veículos necessários, tornando a transição insustentável no tempo.
Falar (energeticamente) correto
A especialista defende que se fale de “descarbonização” ao invés de “100% renováveis”, da mesma forma que se deverá utilizar a expressão “mobilidade sustentável” e não “mobilidade elétrica”, “apesar de a mobilidade elétrica obviamente ir ser necessária, mas juntamente com outras”.
Yolanda Moratilla, ainda no que se refere ao uso da linguagem, é da opinião que se aborde “net zero” e não “verde”. “Falamos em hidrogénio verde. E o rosa, de França, produzido a partir da energia nuclear? É limpo, não contamina. Porque não o posso utilizar?” Este é o tipo de linguagem que deve, nas palavras da docente, ser transmitida à sociedade.
“A transição imposta é para ricos”, condena a especialista, dando como exemplo a Alemanha que vai impor bombas de calor para aquecimento das habitações em substituição das caldeiras de gás. “As bombas de calor são muto eficientes se utilizadas com piso radiante, não com radiadores. Mas numa casa já construída não se coloca piso radiante.” O resultado será, explica a especialista, o prolongamento da vida útil das caldeiras de gás, com os perigos que daí advém, e uma quebra na eficiência energética.
A presidente do Comité de Energia do IIE deu ainda o exemplo do automóvel elétrico, que para além de ser atualmente uma solução mais cara, implica ter uma habitação preparada para o carregar. “E se morarmos num apartamento sem garagem? Por isso digo que é uma solução para ricos.”