Portugal é competitivo na energia solar
A economia da Península Ibérica só tem a ganhar com o crescimento desta fonte energética porque Portugal e Espanha são os mais baratos em energia solar, admitiram os responsáveis da Galp e especialistas internacionais do setor.
O sol será a principal base da transição energética na União Europeia e a garantia de independência dos 27 Estados-membros face às fontes energéticas fósseis da Rússia. No debate sobre Energia Solar do “Clean Energy Forum Outlook 2023”, os oradores internacionais destacaram o contexto privilegiado de Portugal e Espanha na produção das renováveis, por causa da abundância de sol e de vento, a descida dos custos de instalação dos painéis fotovoltaicos e a necessidade imperativa de apostar no armazenamento do sol.
“Com o solar já ganhámos a corrida do custo, é a mais competitiva fonte energética do mundo. E a descida do custo de instalação dos painéis fotovoltaicos tem sido enorme, com uma redução nos últimos nove a 10 anos de 19% no custo total”, afirmou Carlos Relancio, head of Renewables da Galp.
Outro fator importante referido no debate foi a ligação intrínseca entre solar e hidrogénio verde. “Quando o REPowerEU foi estabelecido, após a invasão da Ucrânia pela Rússia, declarou-se a intenção de substituir parte dos combustíveis fósseis por hidrogénio verde. Ora, a única forma de ter H2 é através de eletricidade renovável. As duas fontes principais para produzir hidrogénio verde e depois combustíveis sintéticos de origem biológica é realmente através do solar e de energia eólica”, afirmou Pedro Amaral Jorge, presidente da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN).
Na União Europeia, a pesquisa e inovação estão a ser cada vez mais conduzidas para a energia solar. Wolfram Sparber, vice-presidente da Association of European Renewable Energy Research Centers (Eurec) e head of Institute for Renewables Energy at Eurac Research, remeteu para o (curto) período histórico da evolução desta fonte energética. “Fiz a minha tese de mestrado em tecnologia fotovoltaica (PV). No início, um sistema de PV custava 45.000 euros para uma casa de família e lembro-me de falar com pessoas que achavam o solar uma perda de tempo. E agora vemos onde chegámos, a energia solar tornou-se na mais barata fonte energética.”
Pedro Amaral Jorge, presidente da APREN, situou essa evolução, ocorrida no espaço da última década. “Há 10 anos, um sistema PV custaria 400 euros por megawatt-hora e numa década o preço médio do megawatt-hora baixou para 25 a 30 euros. Estamos a substituir combustíveis fósseis não só porque é ecológico mas porque é economicamente competitivo e pode levar-nos à independência energética e segurança de abastecimento.”
Nesta corrida, Portugal e Espanha partem em condições muito vantajosas. “A Península Ibérica é a região europeia que mais beneficiará porque somos os mais baratos em solar. Poderemos ser os mais competitivos para PV. Os objetivos do REPowerEU são alcançáveis. O ponto é pôr o comboio em movimento”, frisou Pedro Amaral Jorge.
A petrolífera Galp já entrou a todo o vapor nesse comboio. “Há três anos, a presença da Galp em renováveis era quase zero e hoje temos 1300 megawatts em operação, o que nos coloca no lugar de 3º maior produtor de solar na Península Ibérica”, sublinhou Carlos Relâncio. “O nosso objetivo é passar a ter 4 GW ou 4000 megawatts em operação em 2025 e 12.000 GW em 2030, o que é muito ambicioso, numa combinação de solar com projetos eólicos”, acrescentou o head of Renewables da Galp.
Como operador industrial, a petrolífera vai além-fronteiras com estes projetos e para o próximo ano iniciará os seus investimentos em centrais de produção fotovoltaica no Brasil.
Armazenamento é a chave
As principais limitações ao crescimento do solar, reconhecidas pelos três oradores, são a burocracia dos processos de instalação, dos licenciamentos e o armazenamento desta fonte energética, ainda insuficiente para as necessidades. A capacidade de guardar o solar durante muito tempo será a chave para garantir que esta fonte energética renovável pode vir a ser a principal no espaço europeu.
“Enfrentámos disrupções, primeiro com a covid-19, depois com a guerra na Ucrânia. Mas acreditamos que o armazenamento é um ‘must’. Não podemos ter mais de 50 a 70% de intermitência de solar. Nos próximos dois a três anos, todos os pacotes vendidos já virão com o armazenamento incluído, é a única forma de prosseguir no caminho da eletrificação da economia”, afirmou Carlos Relancio, da Galp, empresa que se posiciona como “investidor a longo termo” nesta “corrida de longo curso”.
O responsável pelas renováveis da Galp destacou ainda o “novo pacote legislativo aprovado em Portugal” que veio acelerar a instalação de sistemas fotovoltaicos. “Agora, a Galp instala uma central fotovoltaica e cinco dias depois estamos a injetar eletricidade na rede. Em Espanha, o período mínimo é de dois meses. Temos de estar orgulhosos do nosso quadro legislativo e complementar com as interconexões das renováveis ao sistema.”
Na Península Ibérica existem três mecanismos de armazenagem que se podem usar, explicou Pedro Amaral Jorge, da APREN. “Um é hidrotermagem, um sistema que usa a água para armazenar energia, outro é através do hidrogénio verde e o terceiro são as baterias.” Depois, essa capacidade de guardar a energia depende, em duração, do meio que se utiliza. “Haverá momentos de três minutos, de três horas e de três dias. E para cada um será necessário um tipo diferente de tecnologia: a curto prazo baterias, a médio prazo água e a longo prazo hidrogénio verde ou combustíveis sintéticos de origem biológica.”
Wolfram Sparber adiantou que na Eurec estão a trabalhar em simulações de armazenamento para perceber como a transição vai acontecer e quantas baterias são necessárias nas diferentes instalações. “O que vemos nestes modelos é a necessidade de aproveitar as baterias que vêm com os carros elétricos. Se descarbonizarmos os nossos meios de transporte vamos ter acesso a baterias enormes, bem maiores do que as caseiras – na garagem teremos uma bateria com oito vezes essa capacidade e não se paga porque está incluída no preço do carro”, exemplificou.
“Há a possibilidade de se fazer carregamento inteligente da bateria automóvel, ou seja, o cliente vai carregar o seu carro quando a eletricidade está mais barata.”
Com este enquadramento, Sparber adiantou que “faz todo o sentido” a Galp estar a investir em energias renováveis e nas infraestruturas de carregamento.
Investimento e fundos europeus
Todo o investimento feito na Península Ibérica em renováveis é feito por privados. “O Governo só precisa de criar um quadro regulatório estável. Os fundos europeus terão de ir para tecnologia porque os bancos ainda não acreditam nisto, por isso é preciso essa garantia, e também podem ser usados para cumprir as metas de descarbonização da ‘net zero’ em 2050.” E também se fala de os fundos do Plano de Poupança e Resiliência (PRR) poderem em parte ser canalizados para solar”, afirmou Carlos Relancio da Galp.
Wolfram Sparber acrescentou, com a sua experiência, que “o dinheiro europeu ajuda muito em pesquisa aplicada, na inovação em tecnologia”. E também insistiu que é preciso “acelerar o licenciamento, a burocracia nos processos de instalação”.
Não se pode “olhar para o licenciamento com as mesmas lentes de há cinco ou 10 anos”, alertou, por sua vez, Pedro Amaral Jorge, da APREN. “E precisamos de envolver os municípios nestes projetos porque as centrais de produção de energia solar e os parques de energia eólica não vão ser instalados em Lisboa.”
Uso de drones para monitorizar painéis
Nos centros de pesquisa europeus em energias renováveis (Eurec) os investigadores estão “focados na eficiência dos sistemas fotovoltaicos”. Já foram desenvolvidos vários projetos para examinar a manutenção dos sistemas PV. “Funcionam bem, mas podiam funcionar muito melhor. Estamos a usar drones para fazer essa monitorização.” Na Eurec estão ainda a estudar como se pode reutilizar o aquecimento de unidades industriais, supermercados, entre outros, para o conduzir a bombas de calor e criar eficiência energética.